Resenha de Como vender uma casa assombrada – Grady Hendrix

Os pais de Louise estão mortos e não é apenas o futuro sem eles que a assusta. Voltar para casa onde cresceu e confrontar o passado, revirando as papeladas do pai e a coleção de bonecos da mãe, também lhe causa certo terror. E para piorar a situação, ela ainda terá que lidar com o irmão, Mark, com quem tem uma relação marcada por mágoas e ressentimentos de longa data. Mas Louise sabe que terá que se unir a ele uma última vez para vender o imóvel – e aí, sim, poderá seguir sua vida com a filha, Poppy. Acontece que não demora muito para que os irmãos Joyner tenham certeza: a casa não está vazia e o que mora lá não quer que ela seja vendida.

Como eu já havia lido – e amado – O exorcismo da minha melhor amiga, sabia que era seguro me deixar levar um pouquinho pelas altas expectativas. Então, o que eu esperava de Como vender uma casa assombrada era o terror incontestável, mas também divertido de Grady Hendrix, com direito a um bom drama familiar. E o autor não me decepcionou nem por um segundo.

Pela sinopse, já fica evidente que o luto é um dos principais pilares da trama, assim como os conflitos entre irmãos. E Hendrix é impecável ao retratar as duas questões. A dor da perda aparece de maneira muitas vezes sutil, mas sempre pungente, exatamente como a ausência de quem amamos reverbera dentro de nós: é como se essa dor nunca doesse “de uma vez”; ela vive nos detalhes e é justamente a soma de todas as pequenas coisas que a torna tão grande.

Já as interações entre Louise e Mark seriam cômicas se não fossem trágicas, justamente porque soam tão reais. E é por meio da relação entre os dois que Como vender uma casa assombrada mostra como os segredos e o silêncio, principalmente sobre o que dói, podem ferir uma família até mais do que os conflitos em si. Além disso, Louise e Mark também são a prova de que irmãos vêm do mesmo lugar, mas em contextos diferentes e, portanto, têm visões distintas sobre os mesmos fatos.

Inesperadamente, Como vender uma casa assombrada fala muito sobre maternidade – e, mais uma vez, de maneira cirúrgica. Louise é a personificação do desejo feroz que toda mãe tem de proteger os filhos. É por meio da tridimensionalidade da personagem que confrontamos os erros que cometemos na eterna tentativa de defendê-los. E, então, somos inevitavelmente obrigadas a nos dobrar à verdade que jamais aceitaremos: é impossível protegê-los de tudo.

Um ponto forte da obra de Hendrix é incorporar suas (ótimas) referências com originalidade. E em Como vender uma casa assombrada, temos vislumbres de A Assombração da Casa da Colina – e a série genial de Mike Flanagan, inspirada no clássico de Shirley Jackson – e Stephen King. Também é impossível não lembrar dos ícones trash dos anos 1980, Brinquedo Assassino e Puppet Master.

Se eu tivesse que apontar um defeito na obra de Hendrix seria que eu adoraria que a história tivesse explorado mais o clichê da casa assombrada – meu trope favorito do terror. Mas, por outro lado, eu amo o fato de que o autor escolheu caminhos que podem não ser inéditos, mas são inesperados, além de muito bem trilhados. E verdade seja dita, Como vender uma casa assombrada trabalha as assombrações da forma como eu gosto: não apenas como fantasmas, mas muito mais como lembranças, perdas, segredos e ausências.

Como vender uma casa assombrada é o que acontece quando doses certeiras de terror e humor se encontram. Mas o que torna a história praticamente perfeita são os dramas familiares e a sensibilidade com que todos os temas são tratados. Com a história dos irmãos Joyner, Hendrix evoca a inocência e a grandeza que existem nas lembranças da nossa infância. E retrata com precisão a profunda vulnerabilidade que a perda dos pais nos traz – afinal, não se trata “apenas” de se ver sem duas pessoas amadas; e sim, de perder as raízes, se sentir à deriva, descolado do passado.

E, no fim, será que a casa em que crescemos não é sempre assombrada por tudo o que foi e não pode voltar? Sendo assim, vendê-la é como fechar o último portal que nos conecta ao início da nossa própria história.

Título original: How to sell a haunted house
Editora: Intrínseca
Autor: Grady Hendrix
Tradução: Beatriz S. S. Cunha
Publicação original: 2023

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