Uma mulher – Annie Ernaux

Nos 5 meses que sucederam a morte da mãe, a francesa Annie Ernaux registrou a trajetória daquela que a fez, palavras que lemos em Uma Mulher. Responsável pela criação do termo autossóciobiografia, a autora recorreu ao gênero mais uma vez para compartilhar conosco uma obra que não é ficção nem autobiografia, tampouco história ou sociologia puras – é algo no meio de tudo isso e é genial.

A escrita de Ernaux é bastante direta e seca, e não digo isso como uma crítica. Na verdade, é possível que o estilo, de certa forma, distante da autora intensifique ainda mais os sentimentos colocados ali. Como se, por serem tão fortes, se tornassem capazes de transpor todas as barreiras. Então, é possível sentir a dor da perda sempre à espreita: ora como uma agonia pungente, ora como mera coadjuvante de uma vida comum, mas sempre presente, em uma analogia perfeita ao próprio luto.

Infelizmente, já perdi meu pai e minha mãe. E posso dizer que a perda materna ressoa de uma forma diferente em nós, mais visceral. E foi exatamente isso que senti ao ler Uma Mulher. Ainda que a relação de Ernaux com a mãe não tenha sido sempre fácil (quando é?) e que as duas tivessem suas diferenças, a forma brutal como a perda ressoa na filha é inegável. E de partir o coração, porque é real, em todos os sentidos da palavra.

A retração do luto foi o meu ponto favorito na obra, mas o que considero realmente genial é a maneira como, ao narrar a trajetória da mãe, Ernaux disseca costumes de uma época e também questões de classe. Sendo assim, ler Uma Mulher me permitiu conhecer uma realidade e um tempo diferentes dos meus, mas também reconhecer e acolher uma dor que me é muito familiar.

Título original: Une Femme
Editora: Fósforo
Autora: Annie Ernaux
Tradução: Marília Garcia
Publicação original: 1988

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