Resenha de Intermezzo – Sally Rooney

Antes de falar sobre Intermezzo, preciso contar um pouco da minha história com Sally Rooney. Tudo começou com Pessoas normais, um livro que divide opiniões, mas que eu amo e defendo com todas as forças. Então, veio Conversas entre amigos, que foi uma leitura agradável, mas não memorável (inclusive, o considero uma espécie de rascunho de Pessoas normais). Já Belo mundo, onde você está foi uma verdadeira decepção. Se pelo livro em si ou pelas minhas altas expectativas, não sei precisar. Mas foi como se o encanto pela autora se quebrasse ali.

Por fim, chegamos a Intermezzo. Apesar do desencanto com o livro anterior, eu não consegui conter a minha animação. Afinal, quem escreveu um livro como Pessoas normais pode me reconquistar a qualquer momento. Além disso, já sabia que a história trazia dois dos meus elementos favoritos: luto e relação entre irmãos. Mas a verdade é que eu não sei bem como definir a minha experiência com Intermezzo.

A leitura em si foi um sofrimento. Eu não conseguia me importar de verdade com os personagens e os capítulos narrados por Peter eram desanimadores. Eu confesso que teria abandonado, se não fosse uma leitura coletiva do Clube Namanita. No entanto, quando finalizei a história, foi como se as peças se encaixassem, me permitindo enxergar e reconhecer o valor do livro.

Em alguns pontos da trama, Rooney se repete ou se estende além da conta. Isso me incomodou durante a leitura, mas admito que foi o que tornou possível a construção incrível de Peter, de Ivan e da relação entre os dois irmãos. Assim como em seus outros livros, a autora é capaz de traçar com exatidão o perfil de cada personagem, evidenciando suas vulnerabilidades, frustrações e medos, sem nunca cair em lugares comuns. Talvez, nem sempre funcione enquanto narrativa. Mas é preciso reconhecer que Rooney sabe onde quer chegar com sua escrita.

Também como em suas outras histórias, a autora fala sobre consciência de classe do ponto de vista do privilegiado, o que considero também muito importante (e no caso, se trata de um privilégio construído, o que torna a reflexão ainda mais tridimensional). Ainda sobre as questões de classe, outro aspecto que Rooney desenvolve é a forma como o dinheiro é capaz de deturpar as relações ou a forma como as enxergamos.

Com Christine, a mãe de Peter e Ivan, Intermezzo brinca com o hábito que nós, como sociedade, temos de idealizar as mães, sempre esperando o mesmo tipo de “comportamento perfeito” de todas – pessoalmente, não concordo com as atitudes de Christine, mas acredito que sempre valha a reflexão sobre o quanto cobramos das mães e o quanto cobramos dos pais.

Uma das coisas que mais gostei em Intermezzo foi a perspectiva que a obra traz sobre o luto. Por um lado, eu esperava uma história mais focada na questão da perda e, talvez, com passagens mais tocantes. Mas aí eu me lembro de que Sally Rooney gosta de evitar o óbvio. Portanto, a escolha da autora foi mostrar o quanto o luto impacta a nossa vida de maneiras inesperadas, assim como transforma as nossas relações, podendo expor rachaduras que já estavam ali antes mesmo da perda.

No xadrez, “intermezzo” é um termo usado para definir uma jogada inesperada e ameaçadora e é possível encaixar esse significado em diversos momentos do livro. E da vida. Afinal, a nossa passagem por aqui é mesmo cheia de interlúdios – e nunca sabemos o quanto essas “jogadas inesperadas” irão nos quebrar, mas também curar.

Título original: Intermezzo
Editora: Companhia das Letras
Autora: Sally Rooney
Tradução: Débora Landsberg
Publicação original: 2024

Deixe um comentário