Resenha de Mika na vida real – Emiko Jean

Mika Suzuki tem 35 anos e não poderia estar mais longe de realizar seus sonhos. E é em um de seus piores momentos que ela recebe a ligação de Penny, o bebê que entregou para a adoção 16 anos atrás. A conexão entre as duas é instantânea, mas, com vergonha da vida que tem e ávida por impressionar a filha, ela acaba contando algumas mentiras, a princípio, inocentes.

Quando Penny decide visitá-la, porém, Mika não vê outra saída a não ser tornar real todos os detalhes imaginários que compartilhou com a filha. Apesar de todos os esforços, nem tudo sai como o planejado. E então, Mika terá que lidar com frustrações, traumas e ressentimentos para provar que ao menos seu amor por Penny é verdadeiro.

Mika na vida real foi uma leitura de altos e baixos. Iniciei o livro apaixonada, principalmente pela familiaridade com os detalhes da cultura japonesa – assim como eu, Mika (e também Emiko Jean, a autora) vem de uma família de japoneses. Depois, as mentiras da protagonista e sua forma de levar a vida começaram a me irritar. Assim seguimos por boa parte da leitura, até que, nas páginas finais, o livro voltou a me ganhar, me arrancando até algumas lágrimas.

As atitudes e o comportamento de Mika podem ter me irritado durante a leitura – o que, na verdade, é de se esperar. Mas preciso admitir que fiquei muito feliz de ver que a protagonista foge completamente do estereótipo dos asiáticos, especialmente os japoneses. E ao criar uma personagem como Mika, Emiko Jean não apenas quebra padrões como também desafia o conceito de minoria modelo, o que pode ter um poder libertador muito maior do que imaginamos.

A ancestralidade japonesa também é muito presente em Mika na vida real, na gastronomia e nos costumes, sim, mas também na maneira como os personagens enfrentam as adversidades – a necessidade de ser maior do que os problemas e de nunca se comportar como uma vítima. E embora pareça um comportamento louvável, a história mostra como é também é importante entrar em contato com as nossas dores pois só podemos ressignificá-las. E por meio de Penny, que foi adotada por pais brancos, Emiko Jean retrata o impacto que a identidade de raça tem sobre a nossa ideia de quem somos e o nosso lugar no mundo.

E se, por um lado, tem uma trama um tanto previsível (o que não é um defeito, já que é a proposta do livro), por outro, Mika na vida real também traz reviravoltas e revelações que não apenas nos surpreendem, como também mudam a nossa perspectiva em relação aos acontecimentos. E é essa combinação que permite que a história seja leve, mas também intensa e explore muito bem a complexidade da maternidade.

Há alguns anos – e, principalmente, antes de ser mãe – eu talvez tivesse uma opinião mais inflexível em relação a entregar um bebê para a adoção. Hoje, sabendo de tudo o que a criação de outro ser humano exige, entendo que, em alguns casos, essa decisão também pode ser um ato de amor – “Há força em ir embora e em ficar”, como diz uma das personagens do livro. E é justamente a partir desse dilema que Emiko Jean propõe um questionamento que permeia toda a história: o que é ser uma boa mãe?

A relação entre Mika e Penny nos convida a refletir sobre o instinto materno. Afinal, mesmo sendo “apenas” a mãe biológica da garota, a protagonista experimenta sentimentos viscerais, como a necessidade feroz de protegê-la e o medo quase paralisante de falhar. E não por acaso, as duas questões estão diretamente ligadas ao fato de Mika tê-la entregado para a adoção.

Já a conturbada relação entre Mika e a mãe, Hiromi, expõe as vulnerabilidades da protagonista enquanto filha. Acredito, por experiência própria, que existam aspectos culturais na forma (tóxica e até abusiva, na minha opinião) com a qual Hiromi trata Mika. De qualquer maneira, essa dinâmica evidencia o impacto que as mães têm em seus filhos e os filhos em suas mães. Afinal, a maternidade sempre envolve renúncias e, muitas vezes, essas renúncias custam mais do que esperamos.

E foi por mostrar o lado mais profundo da maternidade de forma leve e bem-humorada, mas também honesta e precisa, que Mika na vida real acabou me conquistando, mesmo depois de tantos altos e baixos. Porque, por mais que não exista uma única definição para “mãe”, a jornada de Mika traz muito da essência da maternidade: lutar para ser a nossa melhor versão e, muitas vezes, ser capaz de dar aquilo que não recebemos. E nunca, jamais deixar de ser casa para os nossos filhos.

Título original: Mika in real life
Editora: Intrínseca
Autora: Emiko Jean
Tradução: Mayumi Aibe
Publicação original: 2022

Deixe um comentário