Resenha de Um animal selvagem – Joël Dicker

Até que ponto somos capazes de controlar os nossos instintos?

Sophie e Arpad parecem ter a vida perfeita: apaixonados, têm dois filhos, são bem-sucedidos e moram em uma linda casa de vidro. Já Greg e Karine não têm a mesma sorte – recém-mudados para uma das humildes residências do bairro de classe alta, eles sentem que não se encaixam na região e parecem estar sempre em meio ao caos. Ainda assim, os caminhos dos casais se cruzam e as duas mulheres se tornam amigas rapidamente. O que Sophie não imagina, no entanto, é que esse é o início do fim de sua vida perfeita.

Isso porque Greg fica obcecado pela esposa de Arpad e passa a espioná-la na casa de vidro todos os dias de manhã. E ele não é o único: um homem misterioso está seguindo todos os passos de Sophie, apenas esperando o momento perfeito para lhe dar um presente inesquecível. E para completar, Arpad guarda segredos que podem acabar com seu casamento. A história culmina em um assalto a uma joalheria, planejado nos mínimos detalhes. Mas como será que o crime conecta todas essas pessoas?

Um animal selvagem não é um livro, é um quebra-cabeça que explora segredos, instintos e aparências. Viajando entre o presente e vários pontos do passado, Joël Dicker nos envolve em uma trama que é absolutamente viciante, mas que também traz reflexões. Afinal, ainda que os personagens sejam muito definidos por seus “animais selvagens” e os sentimentos que eles evocam, é muito provável que você também acabe pensando sobre quais são os seus impulsos mais ferozes e quanto domínio é possível ter sobre eles.

Dicker é especialista em reviravoltas, mas confesso que o excesso de plot twists é algo que me incomoda em sua obra – li 5 livros do autor e senti esse incômodo com A verdade sobre o caso Harry Quebert e, principalmente, O Enigma do Quarto 622. No entanto, apesar de também contar com muitas revelações, Um animal selvagem não dá a sensação de que elas se atropelam. Pelo contrário: com uma narrativa muito bem estruturada, os fatos se completam e nos surpreendem justamente porque acompanhamos a construção de cada um deles – e por isso digo que essa história é um quebra-cabeça, que montamos peça a peça. Ou seja, há surpresa, mas não me parece haver o desejo vazio de apenas chocar o leitor.

Sempre fazendo paralelos entre “caçador e presa”, Um Animal Selvagem traz uma frase que me deixou bastante pensativa: “E o que a gente pode fazer contra os sentimentos? São nossa única liberdade verdadeira.” Sim, os sentimentos não conhecem amarras e surgem sem que possamos controlá-los. Mas, uma vez que existem, ainda que apenas em nosso mundo interior, estão suscetíveis à nossa capacidade de silenciá-los. É verdade que, se não puderem ser uma coisa, voltarão como outra, talvez até despertando nossos instintos mais profundos. Sendo assim, não seríamos nós os caçadores e também as presas de nossos próprios sentimentos?

Título original: Un animal sauvage
Editora: Intrínseca
Autor: Joël Dicker
Tradução: Debora Fleck
Publicação original: 2024

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