
Um jogo nunca é apenas um jogo. Eu, por exemplo, poderia preencher muitos cartuchos com as lembranças que tiveram o meu Super Nintendo como epicentro. Tudo começa com um dos meus melhores Natais: aquele em que meus pais nos presentearam com o videogame. E então, vieram os dias assistindo às minhas irmãs jogarem Super Mario World, as partidas de Super Tennis com o meu pai, as corridas de Top Gear com a minha mãe, a gritaria divertida quando jogávamos BomberMan…
Alguns anos depois, nos tornamos só eu e meu Super Nintendo, e foram inúmeras tardes perdida (ou encontrada) no incrível universo de Donkey Kong Country. Por isso, eu sei que um jogo pode ser muitas coisas – família, diversão, companhia, refúgio. Mas nunca é apenas um jogo.
E esse é o ponto de partida de Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã, que conta a história de Samson Masur e Sadie Green – amigos de infância que se tornam estrelas da indústria dos jogos. O livro os acompanha durante mais de 30 anos, mas são os anos 1990 que dão o tom à trama. Uma das grandes sacadas de Gabrielle Zevin, aliás, é misturar referências pop da época a outras consideradas mais eruditas – a começar pelo título, uma citação de Macbeth, de Shakespeare, enquanto a capa do livro traz A Grande Onda de Kanagawa, de Hokusai.
A narrativa pode ser leve, mas o livro traz questões de classe, retrata o luto e aborda o machismo – especialmente em relação a mulheres que trabalham em “meios masculinos”. Também conta com protagonismo PCD e não apenas traz a representatividade asiática, como também propõe uma reflexão sobre apropriação cultural, em um interessante movimento metalinguístico.
Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã nos faz sentir ora jogando um jogo, ora vivendo a vida. Em uma analogia perfeita à própria analogia que os games fazem à nossa existência, explora fracassos, sucessos, recomeços e infinitos. E se, diferente do jogo, tudo na vida é subjetivo, temos 2 desafios: descobrir o que vencer significa para nós e vencer um pouco todos os dias. Afinal, “amanhã, e amanhã, e ainda outro amanhã arrastam-se”, mas, em algum hoje, a vida há de se fazer derradeira.
Título original: Tomorrow, tomorrow, tomorrow
Editora: Rocco
Autora: Gabrielle Zevin
Tradução: Carol Christo
Publicação original: 2022