
“… não pense que estou dizendo tudo isso porque acho que não há tempo. É justamente o contrário: porque sempre pensamos que há tempo e, por isso, não falamos o que merece ser dito ou ouvido”.
Em março de 2022, quando meu pai foi diagnosticado com câncer de fígado já avançado, eu quis escrever tudo o que queria que ele soubesse sobre nós. Quando terminei, hesitei em entregar a carta. Afinal, soava como uma despedida. Mas, na verdade, não importava quando ele partiria. Importava que ele soubesse de tudo o que o amor dele tornou possível para mim.
Aquela carta acabou sendo o início de uma série de despedidas e do meu luto antecipado. Vivê-lo de antemão não tornou nada menos doloroso. Mas permitiu que eu me despedisse aos poucos, mesmo sabendo que nunca nos despedimos de verdade ou o suficiente de quem amamos. Nunca foi sobre não ter esperança. Sempre foi sobre aceitar a realidade e vivê-la da melhor maneira possível. Nós vivemos e, apesar de todas as partes feias, também foi lindo.
A partida da minha mãe me ensinou que o luto é uma ferida que nunca cicatriza, porque existe através do tempo. É um processo eterno quando o amor também é, e se encaixa nos contornos que sobraram. Ao longo dos últimos 16 anos, aprendi que o meu luto não é silencioso. Escrevi sobre a dor da perda, a saudade e a ressignificação. Porque entendi que as palavras são melhores como pontes do que como muros e me conectam a tudo o que já foi e não pode voltar.
Ler o Manual do Luto*, do Carpinejar, foi como um abraço de quem conhece essa dor e entende o quanto é urgente falar e ouvir sobre ela – antes e depois de a sentirmos na pele. E foi durante a leitura que compreendi o quanto viver a ausência da minha mãe me permitiu viver a presença do meu pai. Sabendo que chegávamos a um fim, aceitando que se tratava também de um recomeço.
Depois de tudo, a carta voltou para mim, com a missão cumprida, assim como meu pai. Se foi o início da despedida, também se tornou o fim de um silêncio que precisava acabar. E eu sei que foi a vivência do luto que me permitiu esse privilégio.
*Recomendo a leitura não só a quem vive o luto, pois retrata toda a escuridão e toda a luz que fazem parte desse processo.
Editora: Bertrand
Autor: Fabricio Carpinejar
Publicação original: 2019